Política em Três Tempos - Por Paulo Queiroz
No Brasil os efeitos mais perversos da crise escorraçaram só os jornalistas econômicos
1 –
CRISE E JORNALISMO Conquanto ainda não seja possível indicar quem mais perdeu ou deixou de perder dinheiro com a crise que assola o planeta – se foi tal ou qual país, aquele ou este setor, corporação, grupo etc. e tal... Melhor dizendo: em que pese ainda não ser possível estimar a extensão da crise – se ela só vai castigar com mais intensidade as maiores economias do ocidente (EUA e Europa), se chega com a mesma força aos países emergentes e, nos dois casos, se atinge o povão para valer etc. e tal... Mais precisamente: em que importe ainda não se possuir dados que permitam projetar a duração da crise – se perambulará por aí por meses, anos ou décadas, se o pior já passou ou o que se viu até agora é pinto diante do que está por vir etc. e tal...Enfim... Caso fosse possível não se ocupar de outra coisa, poderia o leitor passar as 24 horas do dia, os dias todos da semana, as semanas todas dos meses - e por aí prosseguir - pendurado no noticiário econômico, lendo jornais, vendo TV, ouvindo rádio e o escambau que, ainda assim, estaria absolutamente incapacitado para esclarecer qualquer uma das questões do parágrafo anterior. De onde se pode tirar pelo menos uma conclusão: quem mais saiu perdendo até agora com a malfadada crise foi justamente quem mais estaria obrigado a dela saber – os jornalistas econômicos. Não impunemente, em que pese a maioria das pessoas não tomar conhecimento dos apertos e constrangimentos (na maioria dos casos, merecidos) pelos quais esses profissionais estão passando, é necessário que se diga. Pudera! Durante anos eles estiveram aí martelando os ouvidos da platéia à exaustão com a cantilena de que a presença do Estado deve ocorrer somente nas atividades não-produtivas ou naquelas em que não haja interesse do setor privado. Desnecessário destacar o papel fundamental da imprensa no processo de convencimento da população sobre as supostas vantagens da supremacia do mercado, justificando as privatizações - que por aqui resultou em privataria - e tudo mais.
2 – MUDANÇA DE HÁBITO E eis que, agora, somos informados pela mídia que os governos dos países afetados pela crise estão injetando trilhões de dólares na compra de papéis podres na tentativa de salvar cada um desses países da enorme crise que assola o mercado financeiro. Ora, a pergunta que não quer calar é: como é possível, na lógica do que o jornalismo econômico andou informando até agora, utilizar recursos públicos – para salvar empresas privadas. Por onde andarão os jornalistas econômicos que cinicamente passam ao largo dessas abordagens? Em que pese a desfaçatez da cambada, percebe-se que o capitalismo financista globalizado não resiste sem tomar conta do Estado ou sem a utilização de recursos públicos para interesses particulares. Melhor dizendo: não resiste sem tirar a máscara, porque as melhores cabeças já sabiam-no dono absoluto do galinheiro desde que se apresentou como sistema de produção e distribuição de riquezas. Produção operada pelos trabalhadores e distribuição de riquezas entre os financistas, é bom não perder de vista. Implica dizer que os interesses dos especuladores, dos apostadores do cassino em que se constitui a atividade especulativa financeira (como gosta de papagaiar o presidente Lula da Silva/PT assumindo ares de senhor de si, mas sem entender uma palavra do que repete) se confundem com o próprio Estado. E que as teses neoliberais gostosamente abraçadas pelo governo petista são boas para inglês (ou seria norte-americano? Ou dá no mesmo?) ver. Ou melhor, para latino-americano e o resto da periferia ver. E, no entanto... “Eram tão seguros de si, os pobres-diabos, com sua assertiva sabedoria de pitonisas. Sabiam tudo da conjuntura e do futuro. Falavam em acerto fiscal e criticavam os gastos públicos. Diziam coisas como: o Brasil tem de fazer a lição de casa. A globalização é irreversível. Não podemos ficar de costas para o mundo. Lula não terá da comunidade financeira internacional o benefício da dúvida. O Estado é a opressão. Liberdade para o mercado.”
3 – FÉRIAS COLETIVAS O que se acabou de ouvir, no parágrafo aí aspado, foi o desabafo do jornalista Nirlando Beirão, na abertura do texto “Os Jograis de Walt Street”, publicado numa das edições de outubro da revista “Carta Capital”, em que comovidamente sugere férias coletivas para a turma do jornalismo econômico diante dos contundentes desdobramentos da crise a lhes quebrar impiedosamente a cara. Aqui já é o professor e sociólogo Gilson Caroni Filho, em artigo publicado pelo “Observatório de Imprensa” por estes dias. “A jornalista Miriam Leitão (que), como tantos outros, é uma repetidora contumaz do que lhe sopram consultores de bancos..., não consegue esconder o desconforto com a repentina nudez imposta pelo desmoronamento das falsas crenças que, junto, levaram o suposto conhecimento de causa. Resta o consolo de não estar sozinha...” Que prossegue: “Tudo (na fé da supremacia do mercado) era tão cristalino que só a má-fé ideológica poderia contestar. Esse não era o discurso único de consultores e jornalistas? Gente acostumada com números, índices e crenças inabaláveis? Pessoas que não costumavam errar, ‘profissionais do mercado’, figuras centrais de um mundo pós-keynesiano em que os agentes alocavam, com perfeição, almas e recursos. Quebrado o encanto, vislumbraram o horror econômico, um pânico nunca imaginado no paraíso (neoliberal)..”. Impossível, no entanto, resistir a Beirão como fechamento da coluna: “Longe deste colunista querer caçar o ofício dos coleguinhas espertalhões. A gente sabe que a teleturma da economia tem de manter alto padrão de vida. Mas, com tudo isso que está acontecendo por aí, não seria o caso de oferecer a eles o piedoso refresco de umas férias remuneradas? Estão perplexos, os coitados. De todo modo, não se emendam. Fazem-se de sérios e isentos. Enquanto o capitalismo pega fogo, encenam a hilariante seriedade de seu picadeiro. Besteiras são moeda de livre curso. Não seria o caso de processar por charlatanismo, com base na Lei do Consumidor?” Pois!